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06/11/2015
A direita brasileira sempre foi golpista
Brasil 247 - 6 de Dezembro de 2015:
Emir Sader

Foi assim contra o Getulio que, segundo ela, governava sem métodos democráticos. Quando a democracia liberal foi restaurada em 1945, para sua decepção, o candidato lançado por Getulio triunfou sobre o candidato das elites. O próprio Getulio voltou a vencer em 1950.
Dai nasceram as teses do voto qualitativo. O voto de um engenheiro ou de um medico nao podia valer o que valia o voto de um operário – chamado depreciativamente de “marmiteiro”, por levar a comida para o trabalho em marmitas. Havia distintas propostas, até aquela que dava aos profissionais com formação superior o valor 10, contra o valor 1 aos menos instruídos.
Mas desde que foi formada a Escola Superior de Guerra, por Golbery do Couto e Silva e Humberto Castelo Branco, retornados da campanha da Italia na segunda guerra mundial sob a influencia norte-americana, que identificada os EUA como o berço da democracia, as estratégias golpistas começaram a ser formuladas explicitamente.
A ESG difundia e formava militares, no Brasil e na Escola das Américas, no Panamá, na Doutrina de Segurança Nacional. A doutrina, expressão clara do período da guerra fria, considerar que as sociedades e o próprio Estado era objeto de trabalho subversivo inoculado de fora para dentro, desde a URSS, a China e, depois, também de Cuba.
Era necessário depura-los desses riscos, tomando o Estado e transformando-o num quartel general da luta para depurar o pais desses riscos. O corpo social deveria funcionar como o corpo humano, em que cada parte atua em função do todo. Qualquer distúrbio perturba esse bom funcionamento e deveria ser extirpado. Em termos políticos, era o que se considerava os subversivos, vias de introdução das contradições sociais, que sabotava o bom funcionamento da sociedade e do Estado.
O governo do Getulio entre 1950 até sua morte em 1954 foi acompanhado por intenso trabalho de conspiração militar, que desembocou na conjuntura que o levou ao suicídio e, com isso postertou por 10 anos o golpe militar. Mas durante o governo de JK o trabalho continuou, com duas esporádicas tentativas golpistas por parte de militares sublevados.
A eleição de Janio Quadros parecia finalmente impor a vontade da maioria influenciada pela direita que, tal qual hoje, considerava que o problema fundamental do pais era a corrupção, de que a construção de Brasilia seria o exemplo mais escandaloso. Janio, com sua vassoura, iria varrer a corrupção e regenerar a democracia no pais.
O fracasso rápido do Janio acionou imediatamente os mecanismos golpistas, que só foram evitados pela reação popular e pela ameaça de potencia-la com a força militar que o Brizola, governador’ do Rio Grande do Sul, ameaça acionar.
Mas a preparação do golpe foi ganhando formas orgânicas, políticas, empresariais, religiosas e militares, até que desembocou no golpe de 1964 que unificou praticamente à totalidade do grande empresariado, de toda a mídia – com raras exceções -, da Igreja e de grande parte da elite política, com o apoio explicito dos EUA. Nunca como naquele momento a direita se expressou, de forma unificada, em um projeto próprio, que era o da mais brutal ditadura que o pais conheceu. A pregação dos riscos que a democracia correria eram apenas um instrumento para destruir o que havia de democracia e impor uma ditadura militar. Os editorias dos principais jornais saudavam o golpe como o resgato da democracia.
A ditadura não apenas destruiu tudo o que havia de democrático no Brasil, sob o pretexto de ser instrumentos da subversão comunista, como impôs o arrocho salarial e interveio em todos os sindicatos, para felicidade do grandes empresários nacionais e estrangeiros. Arrocho que foi o santo e a chave para entender o “milagre econômico”.
A transição à democracia do suportada com incomodidade pela direita, que buscou, de todas formas, limitar seu alcance, impedindo a eleição direta para presidente, elegendo o primeiro presidente civil através do Colegio Eleitoral. Assim que Ulysses Guimaraes promulgou a “Constituição cidadã”, Jose’ Sarney colocou o tema da ingovernabilidade da democracia, em que a excessiva quantidade de direitos reconhecidos tornava o Estado ingovernável – uma temática que começava a introduzir a agenda neoliberal no Brasil.
A agenda neoliberal era centralmente uma agenda anti-democrática, projetando a centralidade do mercado e do dinheiro a expensas da politica e da democracia. Os direitos sociais foram atacados, o poder do dinheiro penetrou fundo na sociedade e na mentalidade das pessoas, a a sociedade foi sendo reformulada conforme o modelo do mercado, em que tudo se compra, tudo se vende, tudo tem preço.
O fracasso dos governos neoliberais de Collor e de FHC desembocou nos governos do PT, contra os quais a direita sempre conspirou, jogando o poder dos monopólios privados da mídia para tentar desestabilizar os governos. A direita basileira nunca se conformou com as sucessivas derrotas eleitorais, que recordavam as derrotas contra o Getulio e seus candidatos.
As versões do voto qualitativo renasceram no ódio contra os nordestinos e contra as camadas populares em geral, identificadas como as responsáveis pelas derrotas sucessivas da direita nas eleições.
A tese do impeachment hoje é apenas uma versão a mais de uma direita que não consegue conquistar apoio popular no tipo de sistema politico que ela mesma consagrou como democrático. As teses são similares às do passado: “compra” da consciência popular mediante concessões de politicas governamentais, subversão do Estado pela corrupção e pela utilização do governo como forma de se perpetuar no poder.
O objetivo da direita é um só: tirar o PT do governo. Não conseguiu pela via eleitoral, teme que Lula possa dar continuidade ao governo da Dilma e por isso ataca o governo tentando inviabilizá-lo ou derrubá-lo e/o tentar impedir que a liderança popular do Lula leve a uma continuidade dos governos atuais.
Emir Sader - Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas político